quinta-feira, 25 de julho de 2013

Old Firm - uma das maiores rivalidades do planeta - Parte 2 - Os motivos


 Há rivalidades construídas sobre divisas sociais, como aquelas que envolvem o time da elite e o time do povo (Fluminense x Flamengo, River x Boca). Há rivalidades com contornos políticos, como Lazio x Roma (extrema-direita x extrema-esquerda). Há confrontos que colocam lado a lado divisões geográficas e culturais, como Galatasaray x Fenerbahce (Istambul e cultura européia x Istambul e cultura asiática).  Há confrontos que misturam religião e política, como Universidad Católica x Universidad de Chile (direita católica contra a esquerda ateísta estudantil). Há clássicos que simplesmente dividem uma cidade e um estado no meio, como o Grenal.

Mas nenhum outro clássico no mundo envolve todas essas variáveis, como Celtic x Rangers.

Do lado verde e branco, são 44 Campeonatos Nacionais, 36 Copas da Escócia e 1 Copa dos Campeões da Europa (atual Champions League) conquistada no longínquo ano de 1967. Por ironia, o primeiro título europeu conquistado por uma equipe britânica, justamente pela mais anti-britânica das equipes.

Do lado azul, vermelho e branco, são 54 Campeonatos Nacionais (recorde no mundo), 33 Copas da Escócia e 1 Recopa Europeia (antiga competição que reunia os campeões das copas nacionais, hoje fundida com antiga copa Uefa na atual Europa League - ) em 1972. 

Se fosse só isso, já seria um baita de um clássico, por reunir 2 duas forças polarizantes de um país.

Mas é muito, muito mais do que isso.

Tem a questão religiosa:  do lado verde, a minoria católica, representada em sua maior parte por descendentes daqueles imigrantes irlandeses, cantando provocações sobre "os súditos que se ajoelham pra Rainha". Do lado azul, a maioria protestante e escocesa nativa faz troça do Papa e dos casos de pedofilia na Igreja Católica.

Tem a questão da Irlanda: do lado verde, inicialmente pró-independência da Irlanda e atualmente pró reunificação das Irlandas em um só país, estendendo suas bandeiras do Irish Tricolour e cantando músicas pró-IRA. Do lado azul, unionista até a alma, defensor da manutenção da Irlanda do Norte no Reino Unido, voam as bandeiras da Union Jack e os cantos de "acabou a fome, voltem pra casa".

Tem a questão política: do lado verde, o tradicional eleitor do Labourismo, da esquerda britânica. Do lado azul, abundam os eleitores dos Tories, do conservadorismo britânico.

Tem a questão da Escócia: do lado verde, a posição pela independência escocesa. do lado azul, a manutenção da Escócia no Reino Unido.


E assim, divididos em linhas políticas, sociais, religiosas e geográficas, Celtic e Rangers se enfrentam a mais de 100 anos, não como simples rivalidade esportiva, mas como uma rivalidade que reverbera por todo o país.

Dados da polícia de Glasgow indicam que o custo para fazer a segurança dos 4 clássicos anuais (o campeonato escocês, que tem 12 equipes na primeira divisão, é dividido em 4 turnos) é de 2,5 milhões de libras. Desde segregação e escolta da torcida visitante até cordões de isolamento nos bares mais populares, onde se concentram cada uma das torcidas. O Celtic Park (capacidade de 60 mil torcedores) e o Ibrox (capacidade de 51 mil) parecem receber 3 vezes mais torcedores, tamanho o barulho, a cantoria e o clima pesado, diferente no ar.

Estima-se que a presença de Celtic e Rangers no futebol escocês contribua mais de 120 milhões de libras anualmente ao PIB escocês.

Mas ambos são apenas dados econômicos, muito pequenos para explicar o fenômeno social que é o Old Firm Derby. Como dizem os especialistas, só assistindo pra crer.

Em 1980 essas equipes se encontraram na final da Copa da Escócia, em campo neutro (O Hampden Park, em Glasgow, estádio da federação e da seleção nacional). O que aconteceu foi isso aqui, uma das maiores batalhas campais da história, digna do Coração Valente:

http://www.youtube.com/watch?v=jzJO9K__n9A

Isso é Celtic x Rangers.

 

Old Firm - Uma das maiores rivalidades do planeta - Pate 1 - A História


O prezado leitor já deve ter comparecido ao Maraca para assistir a um Flamengo x Vasco. Ou viu um Palmeiras x Corinthians. Ou um Gre-Nal, um Galo x Raposa, um Ba-Vi. Conhece a fama de River x Boca, Peñarol x Nacional. Já assistiu pela TV a cabo a um Milan x Inter, Arsenal x Tottenham, pra ficar só nas rivalidades locais, sem entrar nos Real x Barça da vida.

No entanto, aposto R$100 que o leitor jamais assistiu a um Celtic x Rangers. Ou sequer ouviu falar. E, no entanto, todas as listas elaboradas pelas mais diversas publicações especializadas esportivas no mundo colocam o Old Firm Derby (como é conhecido o clássico entre os 2 gigantes escoceses) como um dos 5  clássicos de maior rivalidade do planeta, um evento que consta da lista de coisas que todo indivíduo deveria fazer pelo menos uma vez na vida antes de morrer.

Mas como uma pelada de baixo nível técnico foi parar no rol dos maiores duelos do planeta? Aí temos que voltar um pouco na história. Uma volta longa mas indolor, espero.

Tudo começou no século XIX. A Irlanda, conquistada 3 séculos antes pelo Reino Unido, era um país paupérrimo, cuja única função era ser o celeiro (especialmente de batatas) que alimentava o expansionismo industrial e militar do império vitoriano.

Mas aí vieram 2 pragas seguidas de um fungo letal para as batatas. Duas quebras de safra que mergulharam a pequena ilha na mais completa miséria, agravada ainda mais pela insensibilidade da metrópole, que canalizou a pouca produção obtida para que o "ímpério que nunca dorme" não parasse sua expansão, deixando os irlandeses à sua própria sorte. Daí renasceria o sentimento nacionalista irlandês. Mas antes disso, por questão de sobrevivência imediata, nasceu um dos maiores movimentos migratórios da história da humanidade: a Diáspora Irlandesa.

A Diáspora Irlandesa é mais ou menos como o gol mais bonito do Pelé. Enquanto mais de 200 mil pessoas afirmam ter estado nos 5 mil lugares da Rua Javari para reverenciar o Rei do Futebol, mais de 50 milhões de irlandeses espalhados pelo mundo afirmam ser descendentes daqueles 3 milhões que abandonaram sua terra natal em busca de sobrevivência.

Daí nasceram as imensas colônias irlandesas no Canadá, nos EUA (em especial Boston, NY e Chicago), na Austrália, na Áfríca do Sul. E muitos simplesmente atravessaram o mar da Irlanda e lotaram os portos de Liverpool, Edimburgo e Glasgow à procura de trabalho e vida digna.

Glasgow era então conhecida como a Manchester do norte, o coração industrial e de comércio da Escócia. E os irlandeses que ali chegaram logo se instalaram na empobrecida zona leste da cidade.

Em 1888, um padre marista chamado Walfrid resolveu se reunir com os jovens irlandeses que frequentavam a aula de catequese no domingo e propor que eles jogassem futebol à tarde. Ou melhor: que formassem um clube de futebol, como forma de aliviar a pressão e arrecadar fundos para alimentar a miserável comunidade irlandesa de Glasgow. Assim nascia o Celtic.

Atitudes similares já haviam sido tomadas em outras comunidades irlandesas espalhadas pela Escócia (assim nasceram o Hibernian de Edimburgo e o Dundee United de Dundee), mas o Celtic ousou mais. Ousou ser grande. Ousou ser campeão e dominar o futebol escocês no final do século XIX.

Tal ousadia não poderia ficar impune. Alguém deveria se levantar e enfrentar aqueles imigrantes beberrões, brigões, católicos fervorosos num pais protestante. Coube ao Rangers, criado 15 anos antes (em 1873), a tarefa de representar a maioria escocesa nata e protestante. A equipe, fundada na zona sul da cidade, e uma das mais antigas e tradicionais do país, passou a representar a esperança de que aqueles imigrantes seriam colocados no seu devido lugar.

Assim nascia a maior rivalidade do país, e uma das maiores rivalidades do mundo. As razões que alimentam esse ódio eterno entre os 2 gigantes, tratarei em outro post, para não ficar longo demais.

Paixões Misteriosas

Todos temos nossas paixões misteriosas, aquelas inexplicáveis, na vida. Pode ser aquela menina de aparelho freio de cavalo e óculos fundo de garrafa, que sorri esquisito, no colégio. Pode ser aquele CD ruim daquela banda fraca (confesso, sou fã do Spin Doctors). Pode ser uma camiseta velha e rasgada, que a namorada quer jogar fora, mas que veste como um veludo. Pode ser jogar bocha e dominó na praça com os aposentados.

No meu caso, é o futebol escocês. Não sei bem dizer como começou. Sei que um dia me apaixonei ao ver uma camisa verde e branco listrada na horizontal e fui atrás pra saber que time era aquele. Depois teve a fase dos jogos de manager no computador, no final dos anos 90. Com a paixão pelo Celtic veio a paixão pelo resto do futebol escocês. Passei a acompanhar assiduamente, mesmo que pela internet e com parcas fontes de noticias.

A Escócia sempre me atraiu. Seja pelo cenário bucólico, incrivelmente parado no tempo, dos criadores de ovelhas e plantadores de cevada. Seja pela milenar tradição do melhor whisky do mundo. Seja porque um país minúsculo e esquecido no frio norte da ilha nos deu pensadores da estirpe de David Hume, Adam Smith, Charles Darwin. Ou, no fundo, porque o Highlander é de lá.

Mas o que importa aqui é o futebol escocês. Segundo país no mundo a adotar o futebol. Segunda liga nacional mais antiga do mundo. Tradições mil, com times que levam multidões aos estádios.

E do nível da segundona do Gauchão. Tal qual o cenário bucólico, um futebol parado no tempo, jogado à moda inglesa dos anos 50, com chutões pra frente, jogadores cintura dura, entradas criminosas, e a gorduchinha sendo maltratada do jeito que o diabo gosta.

Como não se apaixonar por tamanha tradição e ruindade? E é sobre tudo isso que esse blog vai falar. Histórias, fatos, conquistas, updates, tudo que aconteceu e ocorre no futebol escocês.

Espero que meus fiéis 5 leitores se divirtam tanto quanto eu nessa empreitada.